A Sombra do Criador (Novel) - Capítulo 12
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Capítulo 12: Herança.
Assim que o vazio se dissipou, Raven se viu imerso em um turbilhão de perguntas e sentimentos confusos. Quem eram seus avós? Ainda estariam vivos? Em que momento Azazel se encontrara com o vazio? Cada dúvida parecia surgir com o peso de um novo mistério a ser desvendado.
Antes que pudesse aprofundar-se em seus pensamentos, uma voz etérea e majestosa ecoou, cortando sua linha de raciocínio. O som era calmo, mas carregava uma sabedoria antiga.
— Meu jovem, tantas perguntas. — A voz reverberou no espaço que o cercava. — Você realmente deseja conhecer toda a verdade? Há coisas que não é prudente saber neste momento.
Raven não hesitou. Com um movimento firme, assentiu, a mente ardendo de curiosidade e o corpo ansioso por respostas. Em um gesto de respeito, curvou-se e disse:
— Por favor, conte-me tudo.
O vazio, após uma breve pausa, continuou:
— Segredos, meu jovem, são guardiões de tua existência. Revelá-los agora pode transformar essas respostas em adagas apontadas contra você. Nem mesmo os seres celestiais de alta hierarquia, como os poderes, as virtudes e as dominações, sabem de sua linhagem. E o mesmo vale para os duques e marqueses dos infernos.
O coração de Raven acelerou, e ele levou a mão direita à cabeça, coçando-a nervosamente. Uma gota de suor frio escorreu por sua testa enquanto um pensamento inquietante o assaltava:
“Os demônios também são meus inimigos?”, Sua linhagem, que antes parecia algo assustador, agora revelava-se como uma maldição.
— Você é especial, Raven — continuou o vazio, com a mesma voz etérea, mas agora mais séria.
Em você correm mais de quatro linhagens hereditárias: o sangue celestial, o demoníaco, o humano e… — A voz hesitou por um instante. — Não é sábio mencionar isso enquanto você ainda é fraco. Mas saiba que o senso comum jamais se aplicará a você.
Raven soltou um suspiro e, em tom sarcástico, murmurou:
— Parece que vou precisar ter olhos na nuca. Alguma linhagem me dá isso?
Por um breve momento, o vazio silenciou. Em seguida, uma risada descontrolada ecoou pelo espaço, preenchendo o vazio com uma estranha energia.
— Hahaha! Olhos nas costas? Não, isso você não terá — disse a voz, ainda divertida. — Mas foi uma boa metáfora. Você terá que ficar atento em todos os momentos.
A surpresa tomou conta de Raven. Aquele ser, tão antigo e imponente, tinha senso de humor? Seu rosto, antes rígido, relaxou, e ele também começou a rir. Riram por um tempo, até que a conversa retomou seu curso.
— Seu pai, quando jovem, foi punido por tentar fugir do céu em busca de seus próprios pais. — O tom do vazio voltou a ser grave. — Naquele período, o caos dominou os céus. A presença de um ser híbrido como seu pai no inferno poderia ter sido o estopim para uma guerra entre os reinos celestiais e infernais.
Raven ouviu em silêncio, absorvendo cada palavra.
— Ele foi trazido de volta ao céu e punido severamente. Sua provação foi sobreviver ao vazio. Eles o lançaram aqui. — A voz do vazio tornou-se mais vibrante, quase animada.
— Seu pai só sobreviveu porque, no último momento, despertou sua linhagem demoníaca ancestral. Ele criou uma magia mista, instantaneamente, e a chamou de “Teia Existencial”. Até hoje, nem eu compreendo como ele conseguiu formular algo tão complexo em questão de segundos.
Raven franziu as sobrancelhas, admirado.“Meu pai é realmente assustador”, pensou.
— A “Teia Existencial” — continuou o vazio, agora com um entusiasmo crescente — tece conceitos essenciais ao redor de quem a conjura: Identidade, Memória e Presença. Esses conceitos são sustentados por paradoxos metafísicos, como “o que não pode ser desfeito” e “aquilo que é lembrado, mesmo no vazio”. Mesmo que alguém tente apagar o alvo da existência, os conceitos persistem, possibilitando sua reconstituição.
O vazio fez uma pausa antes de acrescentar:
— Seu pai tratou este lugar como se fosse sua morada. Até eu fiquei surpreso. No entanto, quando se trata de você… — A voz assumiu um tom mais introspectivo. — Seu corpo reage sozinho, como se estivesse separado de sua mente. Você não precisou mover um dedo.
Raven balançou a cabeça, como se negasse algo dentro de si.
— Não acho que mereço tanta atenção quanto meu pai. Meu corpo reagiu por conta própria. Não tenho mérito nisso.
O vazio respondeu, agora com um tom quase paternal:
— Em pouco tempo, você não apenas entendeu como seu corpo funciona, mas fez isso com maestria. Sua inteligência é rara, especialmente para alguém tão jovem.
Raven mordeu os lábios, desconfortável com o elogio que ecoava pelo vazio. Queria rejeitar aquelas palavras, mas tudo o que conseguiu murmurar foi:
— Pense o que quiser.
O vazio, observando a modéstia de Raven, sorriu — ou assim pareceu.
— Até nisso você se parece com ele. Seu pai também se recusava a aceitar elogios quando o chamei de gênio.
Mudando de assunto, Raven perguntou, sua voz firme:
— E meus avós? Eles estão vivos?
Houve um longo silêncio antes que o vazio respondesse.
— Seu avô… segundo os Céus, foi morto. Mas nem eu tenho certeza disso. Isso ocorreu há tanto tempo que as memórias se dissiparam. Sua avó, entretanto, está desaparecida desde o nascimento de seu pai.
Raven suspirou, sentindo um leve alívio. Talvez seus avós estivessem vivos. “Mas se estivessem… eles me aceitariam? Ou me condenariam por estar vivo enquanto meu pai não está?“ O peso dessas questões apertava seu peito, mas ele afastou esses pensamentos, focando novamente no vazio.
— Posso ao menos te mostrar a aparência deles — disse o vazio. — Isso te ajudará a reconhecê-los, se algum dia os encontrar.
Raven, suspeitando das vastas informações que o vazio parecia possuir, questionou, firme:
— Como você sabe tanto?
A resposta veio rápida, mas envolta em mistério.
— Todos os seres que deixam de existir aqui… tornam-se parte de mim. Suas memórias, suas essências. Eu sou o receptáculo de tudo o que aqui é consumido.
Uma gota de suor frio escorria pela testa de Raven. “Se eu tivesse deixado de existir… esse seria meu destino?“ Suas mãos tremiam ao pensar no destino daqueles que se perdem dentro desse paradoxo.
Percebendo o nervosismo de Raven, o vazio mudou de assunto:
— Raven, tenho que lembrá-lo: mesmo que séculos tenham passado fora desta “caixa”, as forças que conspiraram contra você talvez não tenham esquecido de sua existência. Sua linhagem, o legado de gerações, é algo que eles temem… e cobiçam. Eles não o deixarão em paz, nem em milênios.
As palavras pesaram sobre Raven, mas não o enfraqueceram. Pelo contrário, solidificaram sua determinação. “Minha luta só começou”, pensou.
— Há coisas que preciso te ensinar, para que você tenha uma chance de sobrevivência lá fora — disse o vazio, sua voz agora um pouco mais grave.
— Ensine-me — a voz de Raven estava firme, mas havia uma intensidade quase desesperada por trás de suas palavras. Eu Quero aprender tudo. Não é só uma questão de sobreviver. Eu preciso viver, de verdade.
O vazio silenciou por um momento, como se ponderasse. Então, sua presença se intensificou, como se o próprio vazio se comprimisse ao redor de Raven.
— Muito bem. Mas saiba que o caminho da vingança que você escolheu não é fácil. E o conhecimento traz poder, mas também fardos pesados.
Raven sabia que aquele era o preço. O poder não vem sem sacrifício, mas quantas partes de si ele já havia entregado a esse destino? Ele sacrificara tanto, mas ainda temia que sua própria humanidade, que lutava para preservar, fosse o próximo tributo exigido por seu legado.
Raven hesitou por um instante, sua mente girando entre os ecos de tudo o que já havia perdido. A ideia de abrir mão de sua humanidade lhe causava um nó na garganta, mas a necessidade de sobreviver e vingar-se queimava mais forte. Talvez, no fim das contas, sua humanidade fosse um preço pequeno diante da grandiosidade de seu destino.
— Estou pronto — disse, a voz firme como nunca antes.
O vazio pareceu sorrir, mesmo sem forma física para isso.
— Prepare-se, Raven. Para libertar-se não apenas das correntes do corpo, mas da mente. Mas antes irei te mostrar seus avós, de repente a cabeça de Raven começou a sentir uma dor que explodiu em sua mente, como se milhares de agulhas perfurassem seus pensamentos.
Fragmentos de memórias, que não eram suas, se projetavam em sua visão, levando-o a uma revelação terrível e, ao mesmo tempo, fascinante. Ele viu sua avó:
Seu cabelo era longo, liso e de um tom cinza-prateado, caindo suavemente sobre os ombros. Um de seus olhos era vermelho e o outro era totalmente azul, conferindo-lhe um olhar hipnotizante, único e assustador.
Sua pele pálida, quase translúcida, acentuava o contraste com os olhos vibrantes. Dois grandes chifres negros curvavam-se para cima a partir de sua cabeça, adicionando uma aura de poder e mistério. Suas orelhas eram longas e pontiagudas, lembrando os traços élficos que Raven conhecia dos livros de fantasia.
Enquanto as memórias da aparência de sua avó se fundiam à sua consciência, Raven percebeu o peso que esse legado colocava sobre seus ombros. Não era apenas uma questão de poder, mas de destino, de expectativa. Ser o herdeiro de tantas linhagens o colocava em uma posição única, mas também terrivelmente isolada. Quem ele realmente era, diante de tantas influências conflitantes?
Raven se questionou: além de ser uma demônia primordial, será que minha avó também possui linhagem élfica? Ou as orelhas longas e pontiagudas são características naturais dos demônios?
Então Raven abriu os olhos, ainda sentindo o eco das memórias recém-adquiridas reverberando em sua mente. O peso de sua linhagem estava claro agora, mas as respostas só geraram mais perguntas. Ele teria que dar um jeito de encontrar seus avós… e, talvez, descobrir verdades qu
e preferiria nunca ter conhecido.
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Ilustração de Lilithar Nyxara. E nosso server do discord vai estar nos comentários.