A Sombra do Criador (Novel) - Capítulo 16
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Capítulo 16: Revelações.
Raven estava inquieto. Apesar da excitação por ter adquirido o coração de mana, ele sabia que não podia se deixar levar por esse novo poder. As palavras do Vazio ecoavam em sua mente, alertando sobre o risco de sua condição instável. O poder que ele detinha agora era equivalente ao de um mago de terceiro ciclo, mas ele estava longe de dominar as nuances da entonação de feitiços ou conjurações complexas.
Enquanto seu corpo se ajustava à sensação da mana fluindo dentro dele, uma dúvida incômoda começou a surgir. O que era, afinal, o coração de mana? O que realmente significavam esses ciclos de magia que o Vazio mencionou? Ele compreendia apenas superficialmente as camadas de poder que o Vazio lhe apresentara, mas sentia que havia muito mais a ser descoberto.
Raven respirou fundo, tentando organizar seus pensamentos. Ele havia experimentado a formação do coração de mana, mas não compreendia totalmente o que isso significava para seu corpo, para sua magia. Cada passo em falso poderia ser fatal. Sua ansiedade aumentava conforme ele ponderava, sentindo-se simultaneamente impaciente e inseguro.
— O coração de mana… O que exatamente eu fiz? — murmurou Raven para si mesmo, enquanto sua mente buscava respostas. Ele sabia que precisava entender melhor o conceito de ciclos e como isso influenciava o poder dos magos. Mas por onde começar?
O Vazio, com sua postura serena, observava o jovem. Ele percebia a inquietação de Raven, a pressa em descobrir tudo de uma vez. Aproximando-se, ele falou com a calma que o caracterizava:
— Raven, antes de tentar algo novo, é crucial que você entenda o que fez e o que isso implica — disse o Vazio, com seu tom sempre calmo, mas carregado de uma urgência sutil.
— O coração de mana que você formou é como um reservatório, uma fonte interna que permite que você acesse a mana de maneira mais eficiente. Porém, isso só é útil se você souber como controlá-la e canalizá-la com precisão.
Raven estava atento, mas sua mente ainda borbulhava de perguntas. O Vazio percebeu e continuou, detalhando o que ele precisava absorver.
— Os ciclos que mencionei não são apenas níveis do coração de mana, mas também estágios de proficiência e controle. Conforme você acumula mais mana do que seu coração pode suportar, ele começa a se fragmentar. Para evitar isso, você terá que formar um novo ciclo, o que expande sua capacidade de armazenar e manipular a mana. Mas não é só isso.
— A cada ciclo, você se torna mais íntimo da essência da mana, sua conjuração se acelera e a precisão aumenta. Você desperdiça menos energia, tornando suas magias não apenas mais poderosas, mas também mais eficientes.
O Vazio fez uma pausa, observando Raven para se certificar de que ele estava absorvendo o conceito.
— Com cada ciclo, sua capacidade de sentir, canalizar e controlar a mana cresce exponencialmente. Magias que antes pareciam impossíveis se tornam acessíveis, e o custo em mana para conjurá-las diminui, pois o controle que você exerce sobre o fluxo será maior. Mas lembre-se, todo esse potencial é inútil se não for acompanhado de conhecimento. É um processo de aprendizado contínuo, Raven.
As palavras do Vazio ressoavam na mente de Raven. Ele estava ansioso para explorar sua nova capacidade, mas agora entendia o risco. Ele não podia permitir que sua impaciência o destruísse. Precisaria de disciplina.
Raven assentiu, uma nova resolução se formando em seu coração. Ele finalmente entendia que o poder não era tudo; o controle, a compreensão, e a paciência eram tão cruciais quanto a mana que pulsava em suas veias.
— Entendi — disse ele, sua voz firme e decidida, embora por dentro ainda lutasse com sua ansiedade.
Raven, agora com o coração mais calmo, sentou-se no chão frio do abismo e começou a se concentrar na mana fluindo dentro de si. Antes, ele apenas sentia o fluxo como uma brisa suave, algo distante e etéreo. Mas agora, com o coração de mana formado, ele podia ver a energia em seu interior. A mana vibrava, pulsava como se fosse viva, uma dança energias que o preenchia de uma maneira completamente nova.
Seu coração de mana estava fervendo, a energia acumulada quase transbordando, à beira do limite. Raven não sabia ao certo o motivo, mas suspeitava que era resultado do avanço repentino e não convencional que havia alcançado. Ele havia rompido barreiras que magos mais experientes só cruzavam após anos de prática e estudo. Mesmo assim, sentia que, de alguma forma, a mana estava perfeitamente equilibrada, as veias que canalizavam a energia intactas, firmes e prontas.
Sua ansiedade inicial sobre a possibilidade de sua condição estar prejudicada começou a se dissipar. O fluxo estava estável. Mas a preocupação sobre seu próximo passo permanecia. Se tentasse conjurar uma magia rúnica agora, corria o risco de errar e se explodir. O poder que agora controlava era imenso comparado ao anterior, mas seu controle ainda estava longe de ser perfeito. Ele refletiu sobre isso e uma ideia lhe ocorreu. Ao invés de usar palavras simples como “Barreira” ou outros comandos diretos em latim, por que não criar cânticos, frases inteiras carregadas de intenção clara? Isso não só canalizaria sua mana de forma mais controlada, mas também evitaria acidentes catastróficos.
O Vazio, observando atentamente os pensamentos de Raven, já sabia o que ele estava considerando. Seu olhar penetrante encontrou o de Raven, e sua voz soou com a firmeza de um mestre que guiava seu aprendiz em terreno perigoso.
— Bom, Raven, acredito que você consiga — disse o Vazio, seu tom calmo, mas carregado de seriedade. — Ainda mais porque você tem conhecimento profundo sobre a linguagem rúnica primordial. Mas cuidado… Um cântico é mais poderoso que palavras soltas. E qualquer pequeno erro pode levar toda a magia a se distorcer, criando efeitos imprevisíveis. Um deslize e o resultado pode ser desastroso.
A advertência do Vazio pairou no ar como uma sombra, mas Raven já havia tomado sua decisão. Ele sabia dos riscos, mas também sabia que havia chegado em uma hipótese boa demais para hesitar agora.
— Então, vou tentar, certo? — perguntou Raven, sua determinação transparecendo em cada palavra.
O vazio respondeu de imediato, sua voz profunda ecoando ao redor:
— Sim, tudo bem. Mas lembre-se de manter a atenção.
Raven fechou os olhos e sentiu o fluxo intenso da mana em suas veias. A pressão crescente no coração de mana ameaçava transbordar, mas ele a canalizava lentamente, mantendo o controle sobre cada partícula. As palavras do Vazio ainda ecoavam em sua mente: um erro mínimo poderia causar uma catástrofe. Ele sabia disso, e por isso sua concentração era absoluta.
Respirando fundo, Raven começou a formular mentalmente seu cântico, construindo a magia rúnica de uma forma que nunca havia feito antes. Ele sentia falta da ajuda do Vazio, que antes lhe entregava todo o conhecimento necessário. Era como se antes lhe dessem uma vela pronta para acender, enquanto agora ele tinha que forjar a própria chama do zero.
“Comecemos simples, mas eficaz”, pensou ele, enquanto moldava sua primeira criação.“Uma flecha de fogo.“ Mas não uma flecha comum. Ela seria envolvida em uma corrente de ar poderosa, girando em sentido horário, gerando um dano brutal graças à força centrífuga. Mais do que isso, essa flecha teria que ser flexível, obedecendo sua vontade, movendo-se de acordo com seus comandos e não apenas seguindo uma linha reta.
Concentrando-se em sua intenção, Raven começou a vocalizar o cântico, as palavras surgindo devagar, com firmeza:
— “O fogo, surge do vazio, forjado pelo vento em uma lâmina flamejante. Gira com o poder da tormenta e corta com a força do sol. Sob meu comando, voe onde eu desejar, consuma tudo que tocar. Através do ar, destrua com precisão. Queime e obedeça: a flecha do caos em minhas mãos.”
Raven bateu a mão contra a perna com um sorriso de satisfação.
— Acho que está bom, finalmente algo criado por mim — ele murmurou, ainda admirando o cântico que havia acabado de compor.
Seu coração batia mais rápido, uma mistura de excitação e apreensão. A ideia de conjurar sua própria magia, algo que ele moldou desde o princípio, enchia seu espírito de confiança e, ao mesmo tempo, o lembrava da grande responsabilidade que carregava.
— Agora… — ele disse, com o olhar mais sério.
— vamos converter para o latim e conjurá-la.
— Ignis, surge ex vacuo, a vento formatus in gladium flammeum. Gira vi tempestatis et secat vi solis. Sub imperio meo, vola quo volo, consume omnia quae tangis. Per aerem, destrue cum precisione. Arde et obtempera: sagitta chaos in manibus meis.
Cada palavra carregava o peso de sua intenção. A mana dentro de seu coração pulsava com intensidade, respondendo ao chamado de seu cântico. Raven sentiu o calor se intensificar, uma energia ardente tomando forma. Uma pequena centelha de fogo flutuava diante de sua mão, girando lentamente no ar. Aos poucos, envolvida por uma corrente de vento, a flecha começou a ganhar forma, a ponta flamejante e giratória, com um pequeno vórtice ao redor.
O cântico funcionava, a magia respondia ao comando. Raven abriu os olhos lentamente, observando sua criação. A flecha de fogo rodopiava, obedecendo seus movimentos, aguardando seu próximo comando. Era uma sensação poderosa, porém assustadora. Ele sabia que aquela pequena flecha carregava dentro de si um potencial destrutivo imenso. Estava ao seu comando, mas ele também estava à mercê de seu controle.
— “Agora…” — murmurou Raven, preparando-se para testar o controle de sua criação.
Com um gesto sútil da mão, ele comandou a flecha a se mover, e ela respondeu. Obediente, a flecha serpenteou pelo ar, ajustando sua trajetória conforme Raven queria. Não havia erros, não havia hesitação. Ele tinha feito aquilo, Sua primeira magia rúnica independente, criada de sua própria essência e vontade.
O Vazio, que observava tudo atentamente, fez um leve aceno de cabeça, como se aprovasse o progresso de Raven.
Raven, apesar de satisfeito com o resultado inicial de sua flecha de fogo, não pôde deixar de se perguntar por que a criação parecia menor do que o esperado. Comparada a uma flecha comum, a sua era quase metade do tamanho e da espessura, o que o deixou intrigado.
O vazio, percebendo suas dúvidas, respondeu com um tom calmo e carregado de sabedoria.
— Foi por conta do cântico — explicou. — Você pediu algo destrutivo, eficiente, com precisão. A flecha que criou é exatamente isso. Sua pequena estatura não diminui seu poder. Na verdade, o ponto de perfuração tão concentrado aumenta sua letalidade. Essa flecha pode facilmente destruir a barreira de um mago de 4º ciclo com sua precisão e força focalizada. Além disso, Raven, você percebeu que o gasto de mana foi ínfimo? Mal arranhou sua capacidade. Com o poder que você possui no 3º ciclo, seria possível lançar centenas, talvez até milhares dessas flechas antes que sua mana se esgote.
Raven ouvia atentamente, absorvendo cada palavra.
— Claro, toda mana se esgota eventualmente — continuou o vazio. — Mas com descanso adequado, sua mana se restaurará naturalmente, especialmente durante o sono. Seu coração de mana está em plena forma, e isso permitirá que você continue desenvolvendo suas habilidades com ainda mais eficiência.
Raven balançou a cabeça, entendendo a explicação. Sabia que, embora o caminho fosse árduo, nada parecia impossível.
Com curiosidade, Raven olhou para o vazio e, sem conseguir conter sua inquietação, perguntou:
— Quanto tempo já se passou fora daqui?
O vazio, sempre sereno e misterioso, respondeu com uma calma que carregava uma estranha sensação de que o tempo em si não tinha muita importância naquele lugar.
— O tempo… — disse, sua voz ecoando levemente. — É irrelevante aqui. Mas, se deseja uma estimativa… talvez algumas centenas de anos. Acredito que, no Universo exterior, já tenham se passado cerca de 350 anos, aproximadamente.
Raven sentiu um arrepio percorrer seu corpo. A noção de tempo parecia desvanecer-se dentro daquele espaço. 350 anos? Tudo o que conhecia, todas as pessoas e lugares que já tinha visto, provavelmente haviam desaparecido ou mudado de forma irreconhecível. Ele ficou em silêncio por um momento, absorvendo o peso da revelação.
Embora abalado pela revelação de que 350 anos haviam se passado, rapidamente se recompôs. O choque deu lugar à determinação. Ele balançou a cabeça, afastando os pensamentos sobre o tempo perdido. Sua voz firme, sem hesitar, cortou o silêncio:
— Não acho que preciso de muita ajuda com magia rúnica agora. Então vamos para magia de círculos. Quero sair daqui o quanto antes.
O vazio permaneceu quieto por um instante, como se estivesse ponderando a urgência de Raven. Finalmente, a voz ressoou novamente, carregada de um tom calmo, porém mais sério.
— Na verdade, eu não acho que você precise da magia de círculos — disse o vazio, com um tom quase filosófico.
— Eu mencionei que ela era um meio mais simples do que a rúnica, porque duvidei que você conseguisse compreender a magia rúnica tão rapidamente. Quase ninguém consegue, para ser sincero, nem mesmo o seu pai usava magia rúnica corretamente. As magias de círculos geralmente são conjuradas por cânticos que você formulou na rúnica, mas utilizam a linguagem comum. Os cânticos são pré-feitos para moldar na mente a imagem que deseja que a mana tome, embora tenham um custo elevado de mana. Isso tudo faz com que sejam muito inferiores à magia rúnica. Deixe isso de lado.
O vazio fez uma pausa, observando Raven, antes de continuar.
— Acredito que você já esteja pronto para sair para o exterior. Contudo, lembre-se de manter sempre a atenção na entonação.
Raven balançou a cabeça, confuso, e perguntou:
— Então, já posso sair?
O vazio respondeu, seu tom calmo contrastando com a ansiedade de Raven:
— Sim, porém antes vou te dar algo. Durante o tempo que você esteve aqui, eu consegui criar algo especial para você. É uma manifestação da essência deste lugar; provavelmente, apenas você consegue senti-lo. Este objeto contém todo o meu conhecimento sobre magias e outras coisas. No entanto, evite usá-lo excessivamente; lembre-se de que se desenvolver por conta própria tornará seu caminho mais firme.
Então, o vazio estalou os dedos, e, de repente, um gato negro surgiu diante de Raven. O animal tinha uma pelagem escura e lisa, com um brilho sutil que lhe conferia uma aparência quase sobrenatural. Seus olhos vermelhos brilhavam intensamente, criando um contraste impressionante com o pelo escuro, dando-lhe uma presença poderosa e intimidadora. Marcas circulares brilhantes decoravam seu corpo, uma na testa e outra no peito, como se emanassem energia.
Raven, surpreso e ainda tentando processar o que estava vendo, observou enquanto o gato saltava em sua direção. Assim que o tocou, o animal desapareceu instantaneamente. No entanto, uma marca apareceu na mão de Raven, assemelhando-se a uma tatuagem de um olho vermelho. Ele sentiu uma onda de energia percorrendo seu corpo, uma conexão inexplicável se formando entre ele e o gato.
— O que foi isso? — ele perguntou, admirado, enquanto examinava a nova marca.
— Esse gato é mais do que um simples animal; ele é uma extensão de mim e uma fonte de conhecimento — respondeu o vazio.
— Ele irá guiá-lo e alertá-lo em sua jornada.
Antes que Raven pudesse responder, o vazio continuou, sua voz ressoando com uma autoridade calma:
— Se você realmente deseja aprender magia de círculos, não tenha pressa. No mundo exterior, terá tempo de sobra para explorar essa arte. E como já deve ter percebido, você não envelhecerá nem morrerá de velhice, tanto pela natureza extraordinária do seu corpo quanto pelas linhagens que carrega.
Ele fez uma pausa, sua presença se tornando ainda mais intensa.
— Agora, é melhor que você saia imediatamente, Raven.
Eu já planejava te enviar para o mundo exterior em breve. Parece que ele está prestes a me fazer uma visita.
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ilustração Raven dentro do vazio.